domingo, 23 de janeiro de 2011

quando tudo te faltar


imagem: Stebbi/Flickr

teça tua cama de nuvens
brancos algodões
mas não se deite nela:
antes, prefira os catres
afiados de espinhos e facas
dos faquires
a te lembrar que célere
o tempo escorre
por entre os dedos
e que a vida é sopro
é subito respiro
que não se aprende
à maciez
tepidez e delícias
é luta pelo ar
pelo estar pelo fazer
é lenta
tenta te lembrar
desses catres e espinhos
no auge dos ócios
falsos e fatais.

colhe do teu pomar
a maçã mais olífera
perfume azul em moldura
de art-deco
perfeita arquitetura
e nervuras dos sentidos
não, não a leve à boca.
deixa-a
descansar sobre a mesa
para outro tempo.
prefira agora o amargo
da alcachofra
e o insosso dos destemperos
nem ácidos, nem picantes,
apenas sabor de amargo
que sonha com a doçura
daquela fruta vermelha
sobre a mesa.

não sorva de vez a vida
num fastifude rampeiro
dinheiro, dinheiro, dinheiro
reserva: como numa velha receita
preserva seu tempo, seus dias,
gasta-os
com parcimônia e elegância
até que não sejam mais:

e nesse tempo que flui
como rajadas de ventos
ou carícias de aragens
retoma o que está guardado:
a tua cama de nuvens,
os teus frutos proibidos
os teus momentos guardados
no escaninho da alma
e ai, te farta de poesia
quando tudo te faltar.

Um comentário: